*Cantarei uma nova canção a ti, ó Deus; tocarei para ti a lira de dez cordas. Salmo* 144:9
Você já tentou exprimir uma emoção, uma sensação, uma tristeza, uma felicidade, e não conseguiu? Sentiu que podia entender os mistérios do universo, mas não encontrou palavras para traduzir seu significado? Você não está sozinho.
Numa pequena peça literária intitulada “Cantiga de Esponsais”, Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, sempre sutil e oblíquo, fala de um velho e conhecido compositor, mestre Romão, que, três dias depois de casado, ideou um “canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não pôde sair”. “Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada. Algumas notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais.” A mulher amada morreu três anos depois, e mestre Romão nunca conseguiu concluir a cantiga do amor perdido. “Tinha a vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missas, um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir e pôr no papel. Esta era a causa única de tristeza de mestre Romão.”
Aos 60 anos, doente, intimamente sabendo que era o fim, mestre Romão teve a ideia de terminar a música. Foi para a sala do fundo de sua casa, que dava para o quintal, e ordenou que lhe levassem o cravo. Vendo um casalzinho recém-casado, abraçado, tentou arrancar as notas que faltavam. Nada! Desesperado, rasgou o papel escrito. “Nesse momento, a moça, embebida no olhar do marido, começou a cantarolar à toa, inconscientemente, uma coisa nunca antes cantada nem sabida, na qual coisa um certo lá trazia após si uma linda frase musical, justamente a que mestre Romão procurara durante anos sem achar nunca. O mestre ouviu-a com tristeza, abanou a cabeça, e à noite expirou.”
Se você está mais para mestre Romão do que para o rei Davi, ou maestro Jader Santos, ou mestre José Newton, saiba que um dia você conseguirá concluir a canção não terminada. Será capaz de expressar com sensibilidade seu canto do amor inatingível, um canto composto e cantado por você mesmo, e não por outro; vindo de dentro, e não de fora. Por isso, não rasque seus versos. A inspiração para compor o canto de amor perdido surgirá quando você ouvir de novo a voz perdida da pessoa amada. Um dia, todo som perdido se transformará em cantiga de esponsais. As notas fugidias completarão a partitura inacabada, e você poderá declarar o amor inexprimível à pessoa amada. Lá, todo lá será uma canção de amor reencontrado.
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